O livro “A Imitação de Cristo” - escrito pelo padre Thomas Hemerken, nascido na cidade alemã de Kempen
(na forma latina torna-se Kempis – daí “Thomas de Kempis”) – nos recorda a necessidade da centralidade
em Nosso Senhor Jesus Cristo, da verdadeira conversão, voltada para o desapego
do mundo e na Esperança do Céu.
A quarta
parte do livro refere-se à Eucaristia. Ensina-nos como recebê-la, adorá-la e a
como aproximar-se dela de maneira adequada.
Como nos recorda o abençoado Pe. Paulo
Ricardo de Azevedo Júnior, “‘A Imitação
de Cristo’ deveria ser o livro de cabeceira de todo católico. Trata-se de uma
espiritualidade válida, especialmente nesse tempo em que a Igreja, em vez de
ser missionária e evangelizar o mundo, está sendo justamente
"evangelizada" por ele. "A Imitação de Cristo" poderá, sem
dúvida, ajudar a impedir a mundanização da Igreja e de cada um”.
Abaixo, início do Livro Quarto – sobre a Eucaristia – com uma breve
e salutar reflexão sobre o “Sacramento do Altar”:
LIVRO QUARTO
DO SACRAMENTO DO ALTAR
Devota exortação à sagrada comunhão
Voz de Cristo
Vinde a mim todos que penais e estais
sobrecarregados, e eu vos aliviarei, diz o Senhor (Mt 11,78).
O pão que eu darei é a minha carne, pela vida
do mundo (Jo 6,52).
Tomai e comei, este é o meu corpo, que será
entregue por vós; fazei isto em memória de mim (Lc 22,19).
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
fica em mim e eu nele (Jo 6,57).
As palavras que eu vos disse são espírito e
vida (Jo 6,64).
CAPÍTULO 1
Com quanta reverência cumpre receber a Cristo
Voz do discípulo
1. São vossas essas palavras, ó Jesus, verdade
eterna, ainda que
não fossem proferidas todas ao mesmo tempo, nem
escritas no
mesmo lugar. Sendo vossas, pois, essas palavras
e verdadeiras,
devo recebê-las todas com gratidão e fé. São
vossas, porque vós
as dissestes; e são também minhas, porque as
dissestes para
minha salvação. Cheio de alegria as recebo de
vossa boca, para
que mais profundamente se me gravem no coração.
Animam-se
palavras de tanta ternura, atemorizam-me os
meus pecados, e
minha consciência impura me afasta da
participação de tão altos
mistérios. Atraime a doçura de vossas palavras,
mas me oprime a
multidão de meus pecados.
2. Mandais que me chegue a vós com grande
confiança, se quero ter
parte convosco; e que receba o manjar da
imortalidade, se desejo
alcançar a vida e glória eterna. Vinde, dizeis
vós, vinde a mim
todos que penais e estais sobrecarregados, e eu
vos aliviarei. Ó
palavra doce e amorosa aos ouvidos do pecador:
vós, Senhor meu
Deus, convidais o pobre e indigente à comunhão
de vosso
santíssimo corpo, mas quem sou eu, Senhor, para
ousar
aproximarme de vós? Eis que os céus dos céus
não vos pode
abranger, e dizeis: Vinde a mim todos!
1. Que quer dizer essa condescendência tão
meiga e esse tão
amoroso convite? Como me atreverei a chegar-me
a vós,
2. quando não conheço em mim bem algum em que
me possa
confiar? Como posso acolher-vos em minha
morada, eu, que
tantas vezes ofendi a vossa benigníssima face?
Tremem os
anjos e os arcanjos, estremecem os santos e os
justos, e vós
dizeis: Vinde a mim todos! Se não fosse vossa
essa palavra,
quem a teria por verdadeira? Se vós o não
ordenásseis,
quem ousaria aproximar-se?
3. Noé, o varão justo, trabalhou cem anos na
construção da arca para
salvar-se com poucos: como me poderei eu
preparar numa hora
para receber com reverência o Criador do mundo?
Moisés, vosso
grande servo e particular amigo, fabricou a
arca de madeira
incorruptível, e revestiu-a de ouro puríssimo,
para guardar nela as
tábuas da lei; e eu, criatura vil, me atreverei
a receber-vos com
tanta facilidade, a vós, que sois o autor da
lei e o dispensador da
vida? Salomão, o mais sábio dos reis de Israel,
levou sete anos a
edificar o templo magnífico, em louvor de vosso
nome, e celebrou
por oito dias a festa de sua dedicação,
ofereceu mil hóstias
pacíficas, e ao som das trombetas e com muito
júbilo colocou a
arca da aliança no lugar que lhe havia sido
preparado. E eu, o mais
miserável de todos os homens, como poderei
receber-vos em
minha casa, quando mal sei empregar meia hora
com devoção? e
oxalá que uma vez sequer a houvesse empregado
dignamente!
4. Ó meu Deus, quanto se esforçaram esses
vossos servos para
agradar-vos! Ai, quão pouco é o que eu faço!
Quão pouco o tempo
que gasto em preparar-me para a comunhão! Raras
vezes estou
de todo recolhido, raríssimo livre de toda
distração. E, todavia, na
presença salutar de vossa divindade não me
devia ocorrer
pensamento algum impróprio, nem eu me devia
ocupar de criatura
alguma, pois vou hospedar, não a um anjo, senão
ao Senhor dos
anjos.
5. Demais, há grandíssima diferença entre a
arca da aliança com
suas relíquias e vosso puríssimo corpo com suas
inefáveis
virtudes; entre aqueles sacrifícios da lei, que
eram apenas figuras
do futuro, e o sacrifício verdadeiro de vosso
corpo, que é o
cumprimento de todos os sacrifícios antigos.
6. Por que, pois, se me não acende melhor o meu
coração na vossa
adorável presença? Por que me não preparo com
maior cuidado
para receber vosso santos mistério, quando
aqueles santos
patriarcas e profetas, reis e príncipes, com
todo o povo, mostraram
tanta devoção e fervor no culto divino?
7. Com religioso transporte dançou o
piedosíssimo rei Davi diante da
arca da aliança, em memória dos benefícios
concedidos outrora a
seus pais; mandou fabricar vários instrumentos
musicais, compôs
salmos e ordenou que se cantassem com alegria,
e ele mesmo os
cantava muitas vezes ao som da harpa; ensinou
ao povo de Israel
a louvar a Deus de todo o coração e
angrandecê-lo e bendizê-lo
todos os dias, a uma voz. Se tanta era, então,
a devoção e o fervor
divino diante da arca do testamento, quanta
reverência e devoção
devo eu ter agora, e todo o povo cristão, na
presença do
Sacramento e na recepção do preciosíssimo corpo
de Cristo!
8. Correm muitos a diversos lugares para
visitar as relíquias dos
santos, e se admiram ouvindo narrar os seus
feitos; contemplam os
vastos edifícios dos templos e beijam os
sagrados ossos,
guardados em seda e ouro. E eis que aqui estais
presente diante
de mim, no altar, vós, meu Deus, Santo dos
santos. Criador dos
homens e Senhor dos anjos. Em tais visitas,
muitas vezes é a
curiosidade e a novidade das coisas que move os
homens; e
diminuto é o fruto de emenda que recolhem,
principalmente quando
fazem essas peregrinações com leviandade, sem
verdadeira
contrição. Aqui, porém, no Sacramento do Altar,
vós estais todo
presente, Deus e homem, Cristo Jesus; aqui o
homem recebe
copioso fruto de eterna salvação, todas as
vezes que vos recebe
digna e devotamente. Aí não nos leva nenhuma
leviandade, nem
curiosidade ou atrativo dos sentidos, mas sim a
fé firme, a
esperança devota e a caridade sincera.
9. Ó Deus invisível, Criador do mundo, quão
maravilhosamente nos
favoreceis, quão suaves e ternamente tratais
com vossos
escolhidos, oferecendo-vos a vós mesmo como
alimento, neste
Sacramento! Isto transcende todo entendimento,
isto atrai os
corações dos devotos e acende o seu amor.
Porque esses teus
verdadeiros fiéis, que empregam toda a sua vida
na própria
emenda, recebem muitas vezes deste augusto
Sacramento
copiosa graça de devolução e amor à virtude.
10. Ó graça admirável e oculta deste
Sacramento, que só dos fiéis de
Cristo é conhecida, mas que os infiéis e
escravos do pecado não
podem experimentar! Neste Sacramento se dá a
graça espiritual,
recupera a alma a força perdida, refloresce a
formosura deturpada
pelo pecado. Tamanha é, às vezes, esta graça,
que, pela
abundância da devoção recebida, não só a alma,
mas ainda o
corpo fraco sente-se munido de maiores forças.
11. É, porém, muito para chorar e lastimar a
nossa tibieza e
negligência, o pouco fervor em receber a Jesus
Cristo, em quem
reside toda a esperança e merecimento dos que
se hão de salvar.
Porque ele é a nossa santificação e redenção,
ele
o consolo dos peregrinos e o gozo eterno dos
santos. E assim é muito
pra chorar o pouco caso que tantos fazem deste
salutar mistério,
sendo ele a alegria do céu e a conservação de
todo o mundo. Ó cegueira e
dureza do coração humano, que tão pouco estima
esse dom inefável,
antes, com o uso cotidiano que dele faz, chega
a cair na indiferença!
13. Pois, se esse augusto Sacramento se
celebrasse num só lugar e
fosse consagrado por um só sacerdote no mundo, com
quanto desejo
imaginas que acudiriam os homens a visitar
aquele lugar e aquele
sacerdote a fim de assistir à celebração dos
divinos mistérios? Agora,
porém, há muitos sacerdotes, e em muitos
lugares Cristo é oferecido,
para que tanto mais se manifeste a graça e o
amor de Deus para com os
homens, quanto mais largamente é difundida pelo
mundo a sagrada
comunhão. Graças vos sejam dadas, bom Jesus
Pastor eterno, que vos
dignais sustentar-nos a nós, pobres e
desterrados, com vosso precioso
corpo e sangue, e até convidar-nos, com
palavras de vossa própria boca,
à participação desses mistérios, dizendo: Vinde
a mim todos que penais
e estais sobrecarregados, e eu vos aliviarei.
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